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Thursday, October 31, 2013

Rainer e o chocolate

Rainer Patriota, certa vez, trocou a noite pelo dia e fomos saborear uma gostosa cerveja ao som do seu violão, na minha casa. Começamos os trabalhos por volta do meio-dia e quando foi lá pelas seis da tarde, meu irmão chega, procurando por uma barra de chocolate branco que alguém tinha lhe dado. Ele tinha certeza que havia colocado a dita cuja no congelador.

Meu irmão, então, começou a me acusar de ter dado cabo do chocolate, pois eu fiquei rindo da cara dele. Eu neguei, avisando, inclusive, que não gostava de chocolate branco. Ele disse que se o chocolate dele não aparecesse, ele iria comer a minha barra que também estava no congelador, só que de chocolate preto. Eu avisei que caso ele fizesse isso, o pau iria comer, pois eu não tinha nada a ver se ele tinha perdido o chocolate dele.

Dito e feito. O atrevido foi e mordeu o chocolate na minha frente. Como eu não poderia deixar a minha palavra solta no ar, meti-lhe a mão nas fuças e o pau cantou dentro de casa. Minha mãe, sozinha em casa, tentou apartar a briga, mas, no meio do tumulto, caiu no chão e começou a chorar.

Chamou Rainer para nos separar, mas medroso como era, só ficou tentando parar com a voz, não chegou perto para segurar ninguém, o que aumentava o desespero da minha pobre mãe.

Quando enfim paramos a briga, ela telefonou para o meu pai, que veio saber o que estava acontecendo. Tomamos banho para irmos ver nossas namoradas, mas meu pai mandou que entrássemos no carro com ele, os dois. Dirigiu por uns dois quarteirões, desceu do carro e disse para mim, com muita raiva e gritando: “Você vai dirigindo o carro agora, vai deixar seu irmão na casa da namorada dele e quando ele terminar, você vai buscar. Quero ver se vocês vão se matar no caminho”.

Não fui buscá-lo e passamos uns seis meses sem nos falarmos. Depois disso, nós ficamos amigos novamente, melhor até do que antes. Mas eis que Fábio encontra com Rainer na rua uns dois anos depois e este confessa ter sido ele quem comeu o chocolate, aos poucos, toda vez que ia buscar uma cerveja no congelador.

Eu não sabia até então o porquê de Rainer ser sempre tão solícito a respeito de ir buscar a próxima cerveja, mas estava achando bom, que nem da cadeira eu me levantava. Meu irmão então pediu desculpas e me deixou com o gosto de ter a certeza de que o tempo sempre trabalha junto de quem é honesto. Um dia a verdade aparece. Se isso serviu para alguma coisa, desse dia em diante, eu e meu irmão nunca mais tivemos uma briga.

Wednesday, October 30, 2013

Cena Urbana: Luiza!

Durante quase toda a minha infância, adolescência completa e começo da vida adulta, eu fui vizinho do jornalista Vicente Serejo, muro com muro. Apesar de gostar muito das filhas dele, Silvinha e Odyle, o barulho da máquina de Serejo perturbava a noite inteira.

Não por vingança, mas por coincidência, no final de semana eu descontava, quando fazia minhas bebedeiras lá em casa, principalmente quando estava em uma varanda que ficava a poucos metros da sala deles.

Certa ocasião, um grande amigo meu, Rainer Patriota, que é o filho do também jornalista Nelson Patriota, estava nessa varanda para uma noitada de boemia. Rainer é o maior violonista que eu já vi, mas não tinha muita resistência etílica e bebia, dormia, acordava, bebia de novo, sempre tocando.

Por incrível que pareça, consegui levar o homem na conversa e na geladinha até o sol raiar. Ninguém já aguentava mais falar, mas Rainer pegou o violão e tocou uma versão instrumental de “Luiza”, de Tom Jobim, numa versão parecidíssima com a que o grande violonista Raphael Rabello tocava. E repetiu a mesma música sem parar. E foi assim que fui dormir, ao som de Luiza.

Na semana seguinte, quando vou chegando em casa, Silvinha me para e diz que tem um presente para me dar. Era a coluna de Vicente Serejo, “Cena Urbana”, daquela semana. Silvinha me disse que ele estava falando de mim no jornal.

Quando peguei o jornal, pensei: “Puta que pariu, será que ele tá me detonando?” Mas, para minha surpresa, ele elogiava o fato de ter sido acordado com “Luiza” e o gosto musical do vizinho, que tinha escolhido a versão maravilhosa de Raphael Rabello.

Só que não era Raphael Rabello, era Rainer Patriota. Mas a versão era tão similar que seria impossível Serejo distinguir uma da outra. Se não foi possível fazer justiça completa naquela época, faço agora com o grande Rainer. Pena que ele largou o violão para tocar Viola de Gamba. Hoje é um austero professor de filosofia. Só espero que não seja avesso a noitadas, pois seria um desperdício aos que amam essa vida.

* Video de Raphael tocando Luiza.