Em um desses feriados de Páscoa, resolvemos partir em viagem à cidade
de Currais Novos, pois alguém tinha a informação de que a festa naquela
localidade iria pegar fogo naquele final de semana prolongado. A
caravana era formada por mim e o magro Schiavo, numa pick-up LX da Fiat.
No
seu famoso gol branco, ia Márcio Careca, Flávio Xingu e um colega
chamado Rodrigo, que não sei o seu sobrenome, só sei que o pai dele
chama-se Lúcio Flávio, pois o mesmo fez questão de me lembrar umas 20
vezes durante esta viagem. No guerreiro Escort Hobby de cor vinho, iam
Staine Funil e o nosso saudoso Geraldo Segundo.
Cada
tripulação, inconseqüentemente, providenciou um isopor, encheu de gelo e
cerveja e partiu com direção ao Seridó. O magro Schiavo, metido a
piloto, dirigia com velocidade mínima de 170 km/h.
Ele
não contava com uma curva traiçoeira, já bem próxima do destino, que
fingia ser aberta mas que no final se fechava todinha. Nessa hora da
curva vínhamos com 180km/h, pois pra completar ainda mais a desgraça,
antes da curva ainda tinha uma ladeira descendo, uma pontezinha e uma
ladeira subindo, o que fez com que o carro praticamente decolasse.
Dessa
forma, o magro achou a curva aberta o suficiente e não aliviou o pé.
Nessa hora, comecei a frear o carro imaginariamente e segurar no
dispositivo de segurança mais fiel de qualquer carro, o "eita porra",
aquele gancho que tem no teto e que serve pro passageiro se segurar em
alguma coisa em caso de perigo eminente, uma vez que o motorista tem o
volante pra tal propósito.
Como eu disse, o magro não contou com a curva acabando de repente e se transformando em reta, quase que em noventa graus.
A
sua tentativa foi válida, porem ineficaz. Tínhamos que virar à direita e
como o carro começou a derrapar de dentro da fora, ele tentou encontrar
a tangencia indo ao máximo pra esquerda, na contra-mão.
Pro
nosso azar, a traseira da pick-up encontrou a parte do acostamento que
continha pedregulhos e não se segurou, pois era leve e isso fez com que
nós começássemos a dar cavalos de pau em plena estrada.
Em
um desses, a traseira atinge o meio fio do lado direito e lá fomos nós
ribanceira abaixo, com o automóvel virando de costas e não de lado, como
de costume. Ha controvérsias quanto ao numero de vezes que capotamos,
mas a sensação era de estarmos dentro de uma maquina de lavar. O carro
caiu de cabeça pra cima, lá em baixo. E eu continuava agarrado ao "eita porra".
A musica que tocava na hora do acidente era uma do grupo de pagode Molejo, e dizia assim: "Trás a caçamba, trás a caçamba, que o samba taí..." E ela também continuava tocando no momento da aterrissagem. O que me fez pensar, entre mortos e feridos: "Caçamba, um caralho!!!".
A
cena era dantesca. O magro agarrado ainda ao volante, com os dois
braços esticados, duvidando estar vivo e suspeitando estar morto, olha
pra mim e pergunta:
- Cachorras, tudo bem com você?
Como
se alguém pudesse estar bem depois de uma situação daquelas. Eu, virei
meu pescoço aos poucos, achando também estar morto, e respondi que sim,
que só havia perdido os meus óculos e tive uns pequenos cortes
provenientes de algum vidro que quebrou.
O milagre foi
tão grande que o teto formava o molde exato das nossas cabeças. Com
sacrifício, abrimos as portas e saímos, sem saber onde era a estrada ou
onde era o inferno. Eu apostei que a estrada era pra um lado e o magro
apontou pro outro. Eu, mesmo cego, acertei e comecei a subir correndo a
ribanceira, que diga-se de passagem, era quase a metade do tamanho do
Morro do Careca.
Só pra se ter uma idéia de como
vínhamos rápido, somente na hora que atingi o asfalto era que Marcio
Careca vinha passando. Comecei a pular para chamar sua atenção, o que
deu certo.
Ele não viu Schiavo de imediato, pois o
mesmo tinha saído em outro ponto da montanha. Quando o Careca viu o
estado do carro, pensou que o magro não tinha escapado. Nervoso, começou
a perguntar:
- Rapaz, cadê o magrão? Meu irmão, nem
me fale uma coisa dessas. Puta que pariu. Olhe o estado do carro. Como
você se safou, bicho?
E me abraçava, nervoso. Nessa hora
aparece o magrão. Que também foi abraçado. E ficamos todos em silencio
por um momento, contemplando o estrago e tentando imaginar como havíamos
saído daquela inteiros.
Ao ver a movimentação, Staine e
Segundo também estacionam e repetem a mesma cena protagonizada pelos
componentes do careca-móvel.
Em menos de cinco minutos,
já estavam por ali curiosos, Policia Rodoviária e um jornalista,
representante de uma rádio de Currais Novos. O fuzuê estava formado.
Nesse momento, resolvo me sentar no banco do passageiro do carro de
Marcio, pra dar uma descansada.
Aí o presepeiro do
Márcio me aparece com o jornalista, que com o microfone na mão,
solicitava um depoimento para a rádio. Por trás dele, o careca se
segurando pra nao estourar, dizia: "Ele estava no carro sim, fale com ele, ele é gente boa". E comecou a rinchar.
O
incauto jornalista então começa a me fazer perguntas e eu, falando no
microfone, vi o careca se abaixando ao lado do jornalista, que estava em
pé, apoiado na janela do carro com os cotovelos. Disfarçadamente,
cheguei mais perto da porta e olhei pra baixo, pois já suspeitava da
atitude do meliante.
O careca abaixa as calças e manda "um barro"
bem próximo aos pés do jornalista, que mesmo sentindo odor tão
desagradável, continuava firme no seu objetivo profissional, só coçando o
nariz as vezes.
Eu não consegui mais terminar a entrevista, de tanto que ria. O jornalista aborrecido se afastou e foi procurar Schiavo.
Como
o castigo vem à cavalo, Marcio, que havia se afastado momentaneamente,
esquece da sua obra e vem falar comigo, que de tão cansado nem sentia
cheiro algum.
- Ei, Cachorra, tu não pode dormir
não, viu? Não pode apagar, se não, tu nunca mais acorda. Porque se tu
tiver levado uma pancada na cabeça, ninguém sabe.... PUTA QUE PARIU!!!!!
Gritou o Careca, me assustando profundamente.
- O que foi? Pergunto eu, assombrado.
- Acabo de pisar com os dois pés no monte de merda que tinha aqui no chão. ISSO É UMA PORRA!!!!
Ele gritava no meio de todos que ali estavam. E quando alguém olhava pra ele, com expressão de espanto, ele berrava:
- É MERDA, MEU FILHO, NUNCA VIU NAO? MERDA!!!
E
saiu arrastando os pés no asfalto pra ver se conseguia limpar,
espalhando o perfume por entre os curiosos, que aos poucos foram tirando
o time de campo. Durante esses acontecimentos, o carro ficou lá embaixo
sozinho por um tempo.
Quando descemos novamente pra
olhar de perto o estrago causado, uns fantasmas habitantes da floresta
que cercava a estrada, já haviam depenado todos os acessórios do carro.
E
como não havia mais o que fazer, continuamos a nossa viagem, agora em
dois carros somente, pra terminar a nossa aventura que acabava de
começar.